sexta-feira, 29 de outubro de 2021

LEPRA

L E P R A

A poesia tão igual a uma lepra!
.   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .
E os poetas na leprosaria
vão vivendo
uns com os outros,
inspeccionando as chagas
uns dos outros.


Jorge de Sena
in
«Perseguição», Ed. Cadernos de Poesia, 1942

sábado, 9 de outubro de 2021

O MAR

O MAR

Ontem enquanto masturbavas o mar e enlouquecias as ondas. Eu esperava as aromáticas e meigas imagens do mal:

o mar
amar.


Sara M. C. Borges
in «biópsia irregular», ed. Eufeme, 2019

terça-feira, 5 de outubro de 2021

Gregor transformou-se em barata gigante

Gregor transformou-se em barata gigante.
Eu não: fiz-me aranhiço,
tão leve que uma leve brisa o faz
oscilar no seu fio de baba lisa.
Até que, contra a lei da natureza,
creio que tenho peso negativo,
e me elevo no ar se me não prendo
ao canto mais escuro desta ilha.
Quando descer à teia derradeira
não se verá no mundo alteração, ou só
talvez alguma mosca mais contente.
Em noites de luar, na alta esquina,
ficará a brilhar, mas sem ser vista,
a estrela que tracei como armadilha.


António Franco Alexandre
in «Aracne», ed. Assírio & Alvim, 2004.

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

O Navegador / Sebastião Alba

O NAVEGADOR

Plena, a cidade
navega o dia. Ao lado,
o mar em que verte,
Passa lentamente,
à sombra, imposta,
do seu meridiano.
Só um vidro faísca:
há séculos emite
sinais indecifráveis.

 

Sebastião Alba
in «Todas as noites me despeço»,
ed. Opera Omnia, Setembro de 2020